quarta-feira, 24 de outubro de 2007

De Ressaca

"Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo. Cada porre era um desafio ao céu e às suas fúrias. E elas vinham — Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais — às golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconsequentes, literalmente. Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre o cubaubre e o meu instinto de autopreservação. O cuba-libre ganhava sempre. Já dos domingos me lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte. Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos 30, "nunca mais" dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade. Não sei o que o cuba-libre fez com meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem. Tentava-se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um AlkaSeltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava em casa nem sempre conseguia completar a operação. Às vezes dissolvia as aspirinas num copo de água, engolia o Alka- Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama. Mas os métodos variavam. Por exemplo: Um cálice de azeite antes de começar a beber — O estômago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber. Tomar um copo de água entre cada copo de bebida — O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores. Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida. Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta — Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodea, tinha-se um Bloody Mary, mas isto era para mais tarde um pouco. O sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene — Misturava-se tudo num prato pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol. Embebia-se um algodão na testa e deitava-se com os pés na direção da ilha de Páscoa. Ficava-se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira. Uma cerveja bem gelada na hora de acordar — Por alguma razão, o método mais popular. Canja — Acreditava-se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar, no entanto. Muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham que ser socorridos às pressas antes do afogamento. Minha experiência maior é com o cuba-libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar. Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era paraguaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no depósito de instrumentos da boate Catito's em Assunção. A pior ressaca era de gim. Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quando abria o outro o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma. Ressaca de martini doce: você ia se levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior é que você chamava a sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você e deslocava a bacia. Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até a cozinha, tentava alcançar a garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado por hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora. Ressaca de cachaça. Você acordava, sem saber como, de pé, num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até a cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto. Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Konrad Adenauer e estava piscando para você. Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite a eutanásia. Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, resposta para todos os enigmas do Universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos estavam tentanto arrombar a sua caixa craniana. Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro. Hoje não existe mais isto. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada. No dia seguinte estão saudáveis, bem-dispostas e fazem até piadas a respeito. De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e nosso heroísmo anónimo. Estivemos no inferno e voltamos, inteiros. Mais ou menos. Um brinde. E um Engov."
(Luis Fernando Verissímo)
"VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão -- esta pantera -- Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente invevitável Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro! o beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!"
(Augusto dos Anjos )
"Prezada Mulherzinha, Se existe alguém que pode falar o que vou falar para você, sou eu. Então, por favor, tenha a humildade de admitir que sei o que estou falando. Pois o que eu te direi é duro, mas poderá te fazer um bem enorme. Chega. Chega de se comportar assim. Como se estivesse lutando pelo posto de rainha da bateria. De Miss Maravilha do Mundo. Basta de ataques, dessa competitividade suburbana eu sou a melhor, eu sou a mais alta, eu sou a mais gostosa do pedaço. Ninguém tá ligando a mínima se você corre 10 quilômetros ou se aplicou Botox nessa sua testa sem expressão. Ou se você é assim porque ainda não passa de uma menininha que quer ser mais perfeita do que a mãe, conquistar o amor do pai e ser a primeira da classe. Esse teu afã psicopata de vencer todas as paradas só te deixa ridícula. E me faz querer usar um termo que odeio: coisa de mulherzinha. Mulherzinha é que tem essa mania de estar sempre desconfiada das amigas, porque todas teriam inveja do seu corpão e do seu cabelão estilo falso-loiro-natural-cinco-tons. Lamento informar, querida, que ninguém sente inveja de você. Por isso, chega de dizer por aí que, para não atrair olho grande, é bom ficar de bico fechado sobre a tal possível promoção que você terá no trabalho. Relaxa, ninguém está a fim de ser você. Tente, portanto, ser você com mais leveza. E lembre-se: esse negócio de dizer que não se pode confiar em mulheres só comprova que você é uma pessoa maliciosa. Sendo que isso está longe de ser porque você é fêmea. Quando vejo você tagarelando sobre seus feitos sexuais, sinto-me num filme ruim sobre ginasianas americanas. Todas fanhas e excitadas. Chega, tá? De azucrinar os outros com essa sua boca-genital lambuzada de gloss, cuspindo baixos-clichês, simulando uma modernidade que você não tem. Nunca mais caia no ridículo de fazer "sexo casual" com nenhum tipo de homem, mais velho ou mais novo, casado ou solteiro, porque todo mundo já sabe que você finge tudo. Que goza, que não se sente fácil, que não liga quando os caras não telefonam no dia seguinte. Seja honesta uma vez na vida: confesse. Que você não é nada tão wild quanto se vende. Que não sabe falar tão bem inglês assim. Que fez escova progressiva. Que tem dermatite. E enfim você terá alguma paz, pois se reconhece humana, e não a barbie boba que você procura ser. Acredite: idiotice só te faz charmosa para os cafajestes. Se continuar assim, nunca vai aparecer aquele cara bacana que você gostaria que aparecesse; para lutar por você, até te conquistar, e destruir essa tua linda silhueta com uma gestação de 15 quilos. É triste, amiga Mulherzinha, mas você terá que abrir mão da máscara de rímel que cobre a sua verdade."
(Fernanda Young)

O que nós queremos deles

"Mas afinal, o que querem as mulheres de um homem? O que nós queremos? Em primeiro lugar, que ele nos ame muito; muito, mas não exageradamente. Que nos entenda, que nos ouça sempre com muita atenção, mesmo que não esteja muito interessado no que estamos falando (mas fingindo estar). Não, ele não precisa nos trazer flores; mas deve estar sempre nos procurando, fazendo um carinho no nosso ombro, pousando (apenas pousando) a mão na nossa coxa por debaixo da mesa ou quando estiver dirigindo o carro, coisa de quem se sabe dono absoluto do nosso coração (e do nosso corpo); só faz isso um homem seguro, que é o que todas queremos.Por outro lado, é preciso que ele nos solicite muito, pergunte que gravata deve usar, se gostamos da água-de-colônia nova, que carro deve comprar, mesmo que acabe fazendo o que quer, sem dar a mínima para nossa opinião. Mas também é preciso que às vezes fique quieto, calado, para nos deixar bem inquietas, imaginando no que será que ele está pensando. Mulher não pode nunca se sentir nem muito segura nem muito insegura: tem que ser no ponto certo. O ponto certo, essa é a questão. Para isso é preciso sensibilidade, coisa fundamental no homem que se ama. Sensibilidade para sentir quando estamos precisando de um carinho, de um amasso ou de ficar em silêncio. E ser capaz de, na hora de uma briga, dizer vem cá, sua boba", e a gente se aninhar nos braços dele esquecendo de tudo que estava falando. Ah, como é bom um homem assim. Não é preciso que ajude a lavar os pratos nem a arrumar a cozinha, essas bobagens a gente faz com o maior prazer quando ama. Mas a cada cinco minutos pode perguntar, enquanto assiste o futebol (sem tirar os olhos da TV), se ainda vai demorar muito essa arrumação, pedir para você levar uma cerveja e dizer "vem sentar do meu lado para ver o jogo". Esse jogo não nos interessa nem um pouco, mas saber que ele precisa de nós num momento tão crucial é tudo de que precisamos para ser felizes. E quando o time dele fizer um gol e ele comemorar te abraçando e beijando muito, seja solidária e mostre-se tão feliz como se tivesse acabado de ganhar o mais lindo vestido da última coleção de Valentino. Não basta ser mulher: tem que participar. A hora de ir para a cama é muito importante: mesmo que ele esteja estudando um processo ou lendo uma revista em quadrinhos, é fundamental que ponha a perna em cima da sua, para que você sinta que, aconteça o que acontecer, ele estará sempre ligado em você. E um homem que quer ser amado sobre todas as coisas não pode jamais, mas jamais, depois de apagar a luz do abajur, se virar de costas para dormir; isso é crime que nenhuma mulher perdoa. E quando, já no escuro, ele faz um carinho na sua cabeça e se encaixa - não há mulher que resista a um homem que sabe se encaixar bem -, aí é que você sente a felicidade total e pensa que é aquele homem, aquele e nenhum outro, que pode fazê-la feliz. É só isso que queremos dos homens. Não é pedir muito, é? "
(Danuza Leão)